Eu tenho duas gaivotas tatuadas no meu pulso direito e, além do significado magnífico que me fez tatuá-las com a minha melhor amiga da vida, existe um outro que eu descobri há pouco tempo.
Há o momento em que a gente precisa aprender a separar as roupas pra que elas não manchem ao lavar, em que a gente tem que aprender a fazer a própria comida, a tirar o lixo, a trocar as toalhas e lembrar de comprar água (e papel higiênico). O mesmo momento em que é preciso se reinventar e conquistar um novo espaço, em um lugar desconhecido e com pessoas desconhecidas; deixar a zona de conforto em que tudo parecia funcionar bem, em uma fluidez inexplicável, porque existiam pessoas que te ajudavam com tudo isso (ou até faziam com que funcionasse por você). Eu podia trabalhar até tarde todos os dias e ter os maiores perrengues por me preocupar tanto com as contas, mas independentemente do que acontecesse, minha casa e cama estariam sempre limpas e, mais do que isso, eu tinha um lar que me esperava, uma mãe que sempre se preocupou com o meu jantar, com as minhas roupas e com o meu dia; pessoas que sabiam que há dias que eu não sou capaz de fazer bem minha própria maquiagem e, que nestes dias, eu não tinha acordado muito paciente (melhor evitar contato!); pessoas que sabiam que se eu estou incoerente, está na hora de comer, e se eu aparecer com cervejas nas mãos inesperadamente para uma visita, eu só preciso desabafar (e beber).
Liberdade, assim como tudo, tem dois lados. É muito adulto ter sua própria casa, mas é muito estranho não encontrar rostos e ruas conhecidas o tempo todo, saber por onde se anda, não ter como gritar: “manhêêê, esqueci a toalha!” (quem ouviria?) e passar o dia todo de pijama na cama (alguém tem que fazer/pedir o almoço).
Levantei voo, mudei de estado, estou há 3 mil quilômetros de tudo o que eu conhecia como lar e amor, mas ainda sou eu. Acho que mudar pra tão longe me ajudou com as bagagens, porque tive que analisar uma a uma (até as que eu nem sabia que ainda carregava), cada peça de roupa e sentimento. Pagar bagagem extra é desagradável (e caro!) e desnecessário. Hoje eu me sinto especialmente mais leve, com o sorriso largo e cheia de novos sonhos, com uma chance de começar de novo e realizar tudo, na ordem que escolher e da forma como eu quiser. Uma das grandes vantagens da mudança é que é possível deixar de ser quem eu era, para ser quem eu realmente sempre quis ser.
Tem dias que são especialmente difíceis e eles, normalmente, chamam-se domingos. Domingo é dia da família, é dia de ouvir as crianças correndo pela casa e rindo, dia de rotina e a minha tem sido ser ouvinte das risadas nos apartamentos vizinhos, porque aqui, se eu não fizer barulho, tudo vai permanecer em silêncio. E logo eu que sempre amei os momentos na ausência de sons, não tê-los parece estranho e vazio.
Diga ao povo que, embora pareça solitário, eu não estou sozinha. Tem um mundão de gente que eu amo (que, embora longe, são partes de mim e pretendo manter) e gente nova pra amar. Levantar voo é cansativo, mas quando a gente pousa e toda a terra que levantou, baixa de novo, quando é possível enxergar toda a superfície, tudo parece imenso e inexplorado, e dá uma vontade danada de dar um rasante, pra não perder nada, nem mesmo os cheiros, gostos, cores e sons. A Carolina 2.9 gosta disso e quem me conhece bem sabe que eu estou com os dois olhos abertos todos os dias, pra não perder nada, pra fazer dessa oportunidade a melhor, por saber que nunca tive tanta coragem na vida e isso jamais será (ou terá sido) em vão. Eu não sei o dia de amanhã, mas sei que hoje, desde que cheguei aqui, meu verbo é voar.
“Erguia-se para uma nova manhã, docemente viva. E sua felicidade era pura como o reflexo do sol na água.”
Clarice Lispector