Atire a primeira flor – Glácia Daibert

Quando tudo parece caminhar errado, seja você o primeiro passo certo.

Se tudo parece escuro, se nada puder ser visto, acenda a primeira luz.
Traga para a treva, você primeiro, a pequena lâmpada.

Quando todos estiverem chorando, tente você o primeiro sorriso, não na forma de lábios ardentes, mas na de um coração que compreenda, de braços que confortem.

Se a vida inteira for um imenso não, parta você na busca do primeiro sim, ao qual tudo de positivo deverá seguir-se.

Quando alguém estiver angustiado na procura, observe bem o que se passa.
Talvez seja em busca de você mesmo que este seu irmão esteja.

Quando a terra estiver seca, que sua mão seja a primeira a regá-la.

Quando a flor estiver murcha, seja a sua mão a primeira a separar o joio, a arrancar a praga, a afastar a pétala e acariciar a flor.

Se sua porta estiver fechada, de você venha a primeira chave.

Se o vento sopra frio, que seu calor humano seja a primeira proteção e o primeiro abrigo.

Não atire a primeira pedra em quem erra, de acusadores o mundo está cheio.

Nem, por outro lado, aplauda o erro. Ofereça sua mão para levantar quem caiu, dê sua atenção para mostrar o caminho de volta.

O perdão regenera, a compreensão edifica e o entendimento reconstrói.

Toda escada tem um degrau, para baixo ou para o alto.
Toda estrada tem um primeiro passo, para frente ou para trás.

Quando tudo for pedra, você com ternura e bondade, atire a primeira flor.

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O efeito bumerangue – Sergito de Souza Cavalcanti

Na matemática da felicidade, quanto mais multiplicarmos boas ações, mais felizes seremos. Não são por mera coincidência que as pessoas mais felizes são aquelas que elegem o esforço no bem por objeto de suas vidas. Um exemplo extraordinário dessa lei consequencial ou de retorno aconteceu com duas grandes personalidades mundiais.

“Um garoto nadava e, de repente, começa a se afogar. O filho do jardineiro de sua rica residência pula na água e salva o menino já desfalecido. O dono da casa quis recompensar o menino pelo feito, mas o jardineiro lhe respondeu que não se preocupasse, pois seu filho havia apenas cumprido o seu dever. Todavia, ante a insistência do patrão, o empregado lhe disse que o sonho de seu filho, desde criança, era ser médico. Imediatamente, foram tomadas as providências e foram oferecidas ao garoto todas as condições para que se graduasse em Medicina. O garoto em questão se chamava Alexandre Fleming (1881 – 1955), o descobridor da penicilina. Mas a história não termina aqui. O menino salvo era nada mais, nada menos, que o inglês Winston Churchill (1874 – 1965), o grande líder inglês, na luta pela liberdade contra a Alemanha Nazista. A Inglaterra tremeu quando Churchill ficou gravemente enfermo, acometido por uma séria pneumonia. Quem o atendeu foi o próprio Fleming, que o curou com a aplicação da penicilina. Após a recuperação, o chanceler inglês comentou, bem-humorado:
– Não é sempre que alguém tem a oportunidade de agradecer ao mesmo homem por haver lhe salvo a vida duas vezes!“

(…)Plantemos sementes de amor e bondade, sem nos preocuparmos com os resultados futuros. O beneficiado tem obrigação de ser grato, mas o benfeitor não tem o direito de esperar gratidão.

“A prática do bem é o amor em ação a exprimir-se no exercício da bondade.“
Richard Simonetti

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Eternidade sem fim

Eu acreditava em eternidade. Ainda acredito, mas não mais na do corpo. Me decepcionei. Não com meu pai, claro que não. Me decepcionei com todas as forças em que acredito que me permitiram continuar crendo que o veria velhinho, sentado na poltrona da sala, com uma blusa de lã nas costas, um jornal em uma mão e uma xícara de café na outra. Eu tinha certeza que não o perderia nunca, que ouviria ele me chamando de “minha menina“ pra sempre. Pode parecer insano, mas não trabalhei com outra possibilidade porque não achei que houvesse. Meu pai era um herói, um mestre, um guerreiro, um modelo a ser seguido e, homens como ele, nunca morrem nos filmes.

Meu afilhado acha que meu pai virou uma estrelinha. Eu tenho certeza. Pessoas admiráveis estão em lugar de destaque e sempre vão estar. E aí ele pode ser eterno lá de cima, brilhando, me guiando e me fazendo lembrar de tudo o que ele me ensinou, até mesmo quando não dizia uma palavra. Ele vai ser eterno em mim, na minha teimosia e crença, no peito forte, na maneira de encarar os desafios com coragem e algumas lágrimas no escuro, nas frases que ele me dizia e nas imagens que tenho registradas na memória, até daquelas que me foram contadas, mas que não presenciei.

E hoje eu sei que errei. Errei quando me esforçava para esconder meus defeitos e falhas, quando não o abraçava com força todos os dias, porque achava que devia preservar o espaço dele e agir com racionalidade. Eu o coloquei em um pedestal e evitei chegar muito perto por medo de ser descoberta. O que eu não sabia era que ele sentia orgulho de mim e que eu era observada, que ele sabia exatamente quem eu sou. Me arrependo por não ter dividido minhas questões pessoais, meus medos, vontades e meus sentimentos, buscando uma certeza que não acontecia. Preservei ele e a mim de muita coisa. Não o metia em confusões, discussões, incertezas ou dúvidas, por respeito. Só dizia e mostrava o certo, porque eu não sei errar e sabia menos ainda como admitir a ele quando isso acontecia. Fui criada para vencer, para acertar, mas mesmo assim, ele me mostrava que pessoas como ele também erram. Sempre quis ser como ele e acho que tenho muito dele agora.

Ele lavaria um gambá por mim, até que ele ficasse cheiroso. Sempre me dizia isso, pra que eu jamais esquecesse. Eu inventaria a cura para o câncer por ele, atravessaria o mundo por recursos, imploraria por ajuda e seguraria a mão dele, todos os dias, para que ele soubesse que nunca está sozinho. Amor eterno, sabe? Daqueles que não tem fim.

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O que me faz feliz é leve! – Fernanda Gaona

Eu gosto de quem facilita as coisas. De quem aponta caminhos ao invés de propor emboscadas. Eu sou feliz ao lado de pessoas que vivem sem códigos, que estão disponíveis sem exigir que você decifre nada. O que me faz feliz é leve e, mesmo que o tempo leve, continua dentro de mim.

Eu quero andar de mãos dadas com quem sabe que entrelaçar os dedos é mais do que um simples ato que mantém mãos unidas. É uma forma de trocar energia, de dizer: você não se enganou, eu estou aqui. Porque por mais que os obstáculos nos desafiem o que realmente permanece, costuma vir de quem não tem medo de ficar.

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A maior dor do mundo

Eram 6h da terça-feira e minha mãe disse no carro: “Mais um dia se inicia“. Estávamos indo para o hospital alguns minutos antes do combinado, porque meu irmão havia ligado, desesperado, dizendo que o pai havia sido entubado. Eu estava tranquila. Tinha certeza que tudo isso ia terminar bem, que ele ia se sair muito bem. O que eu não sabia, era que meu pai havia escolhido o hospital que queria ser transferido e não era aquele que eu tinha escolhido para ele.

Perder o pai é como ter um pedaço do coração arrancado. Dói tanto que falta o ar. A gente grita, chora, questiona, sofre, chora de novo, nega, resmunga mais um pouco, até cair na real e entender que tudo aquilo não é pesadelo nenhum, mas a realidade, do jeitinho que deveria ser.

Meu pai era um homem do bem, corretíssimo, que errava de tanto que queria acertar, que buscava sempre ser prudente com ele e com seu próprio corpo, que se privava de muitas coisas para ser uma pessoa saudável. Ele era aquele tipo de pessoa que é tão inteligente que deixa as pessoas mudas ao seu lado, com vergonha de debater qualquer assunto.  Não dá pra discutir assim! E eu o admirava muito. Admirava quem ele era, sua história de vida, suas aventuras, suas conquistas e o jeito de servir as pessoas com um sorriso ou uma piada bem contada. Não importava quanta mágoa, decepção ou dor havia em seu coração, cada dia era uma nova oportunidade para ser feliz. E ái de quem viesse com pensamentos negativos… ele odiava isso!

O câncer o tirou de mim e da minha família muito precocemente, antes que nos déssemos conta de que ele estava partindo, horas depois de termos, finalmente, o diagnóstico de sua doença, sem que eu pudesse lhe dar um abraço de despedida, sem que eu pudesse lhe dizer o que ele tinha ou a que tratamento seria submetido. Era sim um tumor maligno em seu maior estágio de evolução, mas eu acreditava.

Terça, logo depois de receber a notícia, saí para resolver algumas coisas, vi uma porção de velhinhos ao volante e não conseguia deixar de me questionar: “Por que eu não tive a oportunidade de conhecer meus avós e não vou ver meu pai assim?“. Nessas horas, passa de tudo pela cabeça e pela minha passavam possíveis justificativas para o que estava acontecendo, mas nenhuma delas foi capaz de me confortar. Meu pai podia sim ser bom demais para viver aqui nesta merda de mundo, bom demais para sofrer tanto, bom demais para esperar mais… Ele sempre foi bom demais pra muita coisa, mas também acho que ele era bom demais para ter uma doença dessas, tão devastadora. Ter um câncer já não é uma raridade, mas um câncer de pulmão tão avançado, de início assintomático em um não-fumante, sem casos na família e plenamente saudável, é inexplicável. Inexplicável ao ponto de me fazer questionar tudo. Absolutamente tudo.

Meu pai foi morrendo um pouquinho por dia, por 6 meses, sentindo muita dor, perdendo o apetite, o peso, o sono, a capacidade de concentração, a força e a respiração – coisas que ele jamais viveria sem. Sofreu muito por depender da saúde pública, esperou muito por respostas que jamais obteve, mas eu tenho certeza que ele acreditava, assim como eu, que tudo isso chegaria ao fim. Chegou ao fim da forma como estava escrito, que não se parecia em nada com o que desejei por todo esse tempo. Eu trocaria qualquer coisa por alguns minutos com ele, só pra que eu pudesse repetir que o amo, que ele é o homem que mais amei na vida e o meu herói, o homem que eu tenho orgulho de poder chamar de pai. Eu sei que ele sabe de tudo isso, mas eu queria dizer de novo, só pra ver aquele sorriso, abraçar ele bem forte e perdir perdão por todas as vezes que interpretei errado suas palavras e ações, porque eu era imatura demais pra entender algumas coisas.

Eu seria capaz de virar o mundo do avesso para que ele ficasse bem, para que tivesse sua saúde de volta. Mas, por algum motivo, nada do que eu fizesse iria ajudá-lo – gostaria de ter tido a oportunidade de tentar.

As dificuldades sempre me ensinaram a ser forte, ele sempre me mostrou como fazer e eu prometi que não o decepcionaria, que não ia mais me privar de nada por pensar no amanhã, porque o amanhã pode simplesmente não existir. A gente nunca sabe o que está reservado pra gente. Para mim, estava escrito que eu teria um pai maravilhoso, um homem que namorou 157 mulheres, fez viagens maravilhosas, fez muitos amigos, aproveitou a vida da maneira que achava certo, que me protegia e continuou me protegendo, mesmo quando mal conseguia falar, me proibindo de dormir com ele no hospital, mas que só viveria comigo por 24 anos. Tempo suficiente para me dar motivos mais do que suficientes para que eu me orgulhasse pelo resto da vida.

Me pego pensando em como serão as coisas agora, mas daí ouço uma voz dentro de mim que me diz para deixar acontecer, que a gente vai saber como fazer. O que eu sei é que ainda preciso da opinião dele, antes de sair, sobre as roupas que visto, sobre as minhas decisões, sobre as minhas ideias. Seria muito bom se ainda pudesse continuar dividindo com ele as minhas vitórias e realizar todos os planos que eu tinha. Passei muito tempo adiando as coisas por falta de escolha, mas eu tinha tantos presentes pra oferecer que jamais poderei colocar em prática da forma como idealizei. Eu só queria ter tido tempo de retribuir um pouquinho do que ele fez por mim. Não me parece pedir demais.

A saudade é o amor que fica! Eu não tive como fazer diferente, ninguém conseguiu, era pra ser. Dói muito e sei que vai doer por um bom tempo, até que meu coração se confortará e só restará o amor. Por enquanto, me faltam palavras. Não sei explicar, não sei definir, só sei sentir.

Descanse em paz, Papaizinho Lindo!

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A alma do mundo – Chico Xavier

Quando você conseguir superar graves problemas de relacionamentos, não se detenha na lembrança dos momentos difíceis, mas na alegria de haver atravessado mais essa prova em sua vida.

Quando sair de um longo tratamento de saúde, não pense no sofrimento que foi necessário enfrentar, mas na bênção de Deus que permitiu a cura.

Leve na sua memória, para o resto da vida, as coisas boas que surgiram nas dificuldades. Elas serão uma prova de sua capacidade e lhe darão confiança diante de qualquer obstáculo.

Uns queriam um emprego melhor; outros, só um emprego.
Uns queriam uma refeição mais farta; outros, só uma refeição.
Uns queriam uma vida mais amena; outros, apenas viver.
Uns queriam pais mais esclarecidos; outros, ter pais.
Uns queriam ter olhos claros; outros, enxergar.
Uns queriam ter voz bonita; outros, falar.
Uns queriam silêncio; outros, ouvir.
Uns queriam sapato novo; outros, ter pés.
Uns queriam um carro; outros, andar.
Uns queriam o supérfluo; outros, apenas o necessário.

Há dois tipos de sabedoria: a inferior e a superior. A sabedoria inferior é dada pelo quanto uma pessoa sabe e a superior é dada pelo quanto ela tem consciência de que não sabe. Tenha a sabedoria superior. Seja um eterno aprendiz na escola da vida.

A sabedoria superior tolera; a inferior, julga; a superior, alivia; a inferior, culpa; a superior, perdoa; a inferior, condena.

Tem coisas que o coração só fala para quem sabe escutar!

 

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O homem que amava as gaivotas – Osho

Eu conheci um senhor idoso que vivia reclamando, sempre rabugento. Tudo estava errado – ele era um crítico nato. E, é claro, como ocorre com todos os críticos, ele sofria… porque às vezes estava quente demais, às vezes estava frio demais, e às vezes chovia demais, e às vezes não chovia. Em todas as estações, o ano todo, ele sofria. Mente negativa, atitude negativa – e ele tentava continuamente ser feliz, continuamente fazendo todo o esforço para estar contente e satisfeito. Mas nunca vi homem mais insatisfeito do que ele; ele era a própria personificação do sofrimento, da insatisfação, do descontentamento, onde estavam impressos todos os ressentimentos de uma vida inteira.

Mas de repente, um dia, ele mudou. Ele estava com sessenta anos, e no dia seguinte seria seu aniversário. As pessoas vieram cumprimentá-lo e não podiam acreditar no que viam – ele tinha mudado tão abruptamente, durante uma só noite. Alguém me contou isso, e eu fui até a casa dele averiguar, porque aquilo era uma revolução! A revolução russa não era nada se comparada com aquilo. A revolução chinesa não era nada se comparada com aquilo. Uma revolução! Durante sessenta anos aquele homem se treinara para o descontentamento. Como, de repente…? O que tinha acontecido, qual fora o milagre? (…) Eu perguntei ao homem – ele estava mesmo muito feliz, transbordando de felicidade:

– O que aconteceu com você?

Ele respondeu:

– Já chega! Por sessenta anos eu tentei ser feliz e não consegui. Então, ontem à noite, decidi: agora vou esquecer isso; não vou me incomodar com a felicidade, só vou viver. E aqui estou eu, feliz.

Ele perseguiu a felicidade durante sessenta anos. Se você vai atrás, fica cada vez mais infeliz. Você está indo reto como uma flecha, e Deus não acredita em atalho. Você atingirá o seu alvo, mas a felicidade não estará lá.

(…)

Ouvi uma estória sobre um grande imperador mongol, Barbur, que conquistou a Índia. Ele se tornou um dos maiores e mais poderosos imperadores, governando quase a maior parte do mundo já dominado por único homem.

“Um homem tido como sábio foi visitá-lo, mas ficou muito decepcionado. Barbur estava conversando com as pessoas da corte de um jeito bem profano – fazendo piadas vulgares e sujas, banais, em nada refinadas – e rindo até sacudir a barriga. O sábio ficou decepcionado. Ele disse: ‘Eu julgava que o senhor fosse um homem culto, pois ouvi muitas estórias sobre como o senhor ama a sabedoria; por isso vim aqui. Ouvi dizer que, na sua corte, o senhor tem muitos sábios, homens cultos, estudiosos, músicos, filósofos, homens de religião, e o que vejo aqui? Uma simples vulgaridade. É intolerável. Não posso ficar na sua corte nem mais um momento!’ Barbur disse: ‘ Só um minuto, antes de ir embora. Olhe para aquele canto.’ No canto da parede havia um arco. O sábio perguntou: ‘O que aquilo tem a ver com a situação?’ Barbur respondeu: ‘Não posso me conservar sempre tenso. Se o arco ficasse sempre tenso, sempre armado com a flecha, logo se quebraria. Perderia a elasticidade. Não seria flexível, e um arco tem que ser flexível; só assim ele fica vivo… quanto mais flexível, mais vivo. Aquele é o meu arco, e eu sou como ele. Às vezes, sim, eu fico tenso; a flecha está no arco, o arco está estendido. Mas só às vezes. Depois, eu descanso e também relaxo.“

Não sei o que aconteceu com aquele sábio. Acho que Barbur foi mais sábio do que ele. Um arco precisa de distensão, relaxamento. Você também é um arco, também precisa de relaxamento.

Para questões pequenas, o mundo do comércio, por exemplo, você pode se mover como uma flecha, porque esse mundo é criado pelo homem. Mas para aquilo que não é criado pelo homem, você não pode ser como uma flecha – você tem que ser como um arco relaxado.

(…)

Você não deve fazer coisa alguma para ser feliz. Na verdade, você já fez demais para se tornar infeliz. Se quiser ser infeliz, faça muito. Se quiser ser feliz, deixe que as coisas aconteçam. Descanse, relaxe e desligue-se.

Desligar-se é o segredo da vida. Desligar-se é o maior segredo. Quando você se desliga, se entrega, muitas coisas, milhões de coisas, começam a acontecer. Elas já estavam acontecendo, mas você não tinha consciência disso. Não podia ter; estava envolvido com outras coisas, estava ocupado.

Os pássaros continuam cantando. As árvores continuam florescendo. Os rios continuam fluindo. O todo continua acontecendo; e o todo é muito psicodélico, muito colorido, com infinitas celebrações acontecendo. Mas você está absorto, tão ocupado, tão fechado, sem nem mesmo uma janela aberta, sem receber nenhuma ventilação. Nenhum raio de sol consegue penetrar você, nenhuma brisa passa por você; você é tão sólido, tão fechado, o que Leibniz chamava de mônada. Você é uma mônada. Mônada significa algo sem nenhuma janela, sem abertura, em que todas as possibilidades de abertura estão fechadas. Como você pode ser feliz? Tão fechado assim, como pode participar de todos os mistérios à sua volta? Como pode participar do divino? Você terá que sair. Terá que abandonar essa clausura, essa prisão.

Para onde você está indo? E acha que algum lugar, no futuro, há algum alvo a ser alcançado? A vida já está aqui! Por que esperar pelo futuro? Por que adiá-la para o futuro? O adiamento é suicida. A vida é lenta; é por isso que você não pode senti-la. Ela é muito lenta, e você é insensível; o adiamento é o único veneno. Você se mata aos poucos. Você vive adiando – e vai perdendo a vida que está aqui e agora.

Quanto àqueles que alcançaram o aqui e o agora, a vida inteira começa a inundá-los de flores. Muitas coisas, com as quais eles nem sonhavam, começam a acontecer.

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Até quando?

Não me agrada este costume que grande parte dos seres humanos tem de se manter sempre igual: os mesmos lugares, as mesmas músicas, os mesmos pratos, os mesmos cheiros e sabores, o mesmo namoro sem sal, o mesmo emprego que não oferece perspectiva alguma, as mesmas viagens, os mesmos amigos, os mesmos bares, o mesmo drink, o mesmo sentimento, a mesma discussão pelo mesmo motivo, os mesmos sentimentos, a mesma frequência cardíaca, a mesma falta de criatividade.

Talvez seja um defeito de fábrica, mas se tem uma coisa que me desanima é a vidinha mais ou menos, com aquelas emoções mais ou menos. Gosto do diferente, do novo, da novidade, das coisas que ainda não conheci e do que ainda não senti. Falta de recomendação não é um problema, mas uma aventura. Se ninguém foi, quero ir primeiro. Gosto do mistério e não assisto à filmes que sei o final – só se realmente gostar muito.

Para mudar é preciso coragem, uma das qualidades que mais admiro no ser humano. Percorrer os caminhos que já se conhece, praticamente não oferece riscos e, se não oferece riscos, poucas serão as emoções. E vida sem emoção é o mesmo que um livro com páginas em branco, não serve pra nada, apesar de, em algum momento, servir como um calço de mesa ou um enfeite na estante.

Eu penso que repetir é muito bom em alguns casos e fazemos isso para resgatar aquilo que nos agradou. Todo mundo faz isso! Você gosta e faz de novo. Não há problema algum. O problema está em repetir tudo, até aquilo que não agrada, com medo do que pode vir com a mudança. O desconhecido dá medo, claro que dá! Mas se a gente nunca for de encontro com ele, nunca saberemos como seriam as coisas se fizéssemos diferente. Sabe se jogar? Inovar? Fugir às regras? Adrenalina? Mudança?

Eu busco melhorar isso todos os dias: praticar o verbo MUDAR, deixando de usar o PERMANECER. Dói pra caramba em alguns casos. A gente reluta, enrola, deixa o tempo passar, inventa desculpas e culpados, mas os maiores beneficiados sempre serão nós mesmos. Até mesmo porque, motivos para fazer diferente, a gente sempre tem, o problema é conseguir nos convencer de que é o melhor caminho.

Eu quero sempre mais: mais amor, mais emoção, mais dinheiro, mais saúde, mais amigos, mais aventuras, mais compaixão, mais alegria, muito mais felicidade, mais um monte de outras coisas. Isso faz de mim uma amante da dinâmica. Meus dias raramente são os mesmos, até mesmo porque eu não sou a mesma todos os dias.

Também tenho, assim como qualquer ser humano, meus dias de conformismo e falta de coragem, mas o importante mesmo, nisso tudo, é que eles vão embora. Mais cedo ou mais tarde, vão embora. Aí eu resolvo mudar de emprego ou de corte de cabelo, dizer aquilo que nunca consegui dizer a quem merece ouvir ou tirar o dia de folga pra encontrar uma amiga. As mudanças graduais são as mais definitivas. É uma questão de prática.

Todo dia é dia de mudar, mas antes de qualquer coisa, é preciso querer. Ninguém aprende a correr, se não quiser aprender a dar os primeiros passos.

“Muda que quando a gente muda o mundo muda com a gente.
A gente muda o mundo na mudança da mente.
E quando a mente muda a gente anda pra frente.
E quando a gente manda ninguém manda na gente!
Na mudança de atitude não há mal que não se mude nem doença sem cura.
Na mudança de postura a gente fica mais seguro.
Na mudança do presente a gente molda o futuro!

Até quando você vai ficar levando porrada,
até quando vai ficar sem fazer nada?“

(Gabriel, o Pensador)
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Um novo retrato 3 por 4 – Marla de Queiroz

Talvez eu nunca tenha sentido as coisas assim, tão genuinamente: a raiva, o amor, a alegria, a tristeza, a ansiedade, o afeto, o sexo. As minhas emoções têm emergido sem qualquer filtro, sem qualquer disfarce. E pela primeira vez eu me permito ficar com elas dando a cada uma a importância que me pedem, porque elas não me governam, são apenas emoções, são a minha transparência.

Sempre confundi a espiritualidade com um estado de bom-humor contínuo, uma expressão caridosa constante e a compaixão sempre presente. Talvez por isso, até a alegria me doesse às vezes, pois no fundo, eu queria esconder que dentro de mim havia também certo egoísmo, uma maldade latente, uma força para machucar que é nada além de uma forma humana de defender-se da ilusão de que algo possa feri-lo fundamente. Não respeitava meus instintos quando queria ser a melhor companhia para os outros o tempo todo. E errei muitas vezes na tentativa de acertar. E me feri em diversos momentos dando aquilo que eu não tinha ou queria. Sendo alguém que eu não estava.

A aceitação que eu buscava vinha de uma falsa compreensão que eu oferecia ao outro. Quantas foram as vezes em que eu simplesmente estava entediada com o drama alheio e me fiz prestativa e disponível no instante em que eu só queria respeitar minha vontade de solitude e ficar absorta nos meus próprios devaneios. Quanto tempo foi gasto procurando coisas e pessoas que preenchessem minhas lacunas quando eu apenas precisava do vazio; de estar comigo na feiúra e na beleza que carrego.

Como me arrependo do choro engolido, do elogio economizado, do insulto recebido sem me posicionar, da trepada sem afeto, do poema forçado, do colo que não pedi, do conselho que dei quando eu mal sabia de mim mesma, da ferida que causei por um motivo qualquer, da ferida que me fizeram e que não curei com o perdão.

Quantas palavras foram gastas para falar do silêncio. Quantos abraços foram aceitos impregnando o meu campo energético com um peso denso, e quantas vezes me protegi de uma carícia sincera. Quantas vezes suguei e fui sugada chamando isto de bondade. Quanto mais adequada eu tentava ser, mas eu me perdia do que eu era. E abafei minha loucura no peito comprimido para ser socialmente agradável. E escrevi coisas otimistas quando estava sofrendo de tanto medo. E ninguém sabia que aqui do outro lado eu estava chorando. E deixei que me julgassem sábia quando sou apenas mais uma buscadora tateando no escuro à procura da luz que pretendo beber a grandes goles.

Sou tão humana, Meu Deus! E no processo de lapidação, joguei fora algumas das minhas arestas, que talvez fossem o que eu tinha de mais valioso. Sou apenas alguém que escreve, que oscila, que anseia, que sofre, que ama, que acorda de madrugada pra pensar e tem inveja dos que dormem tão profundamente àquela hora. Não tenho nada que outra pessoa não possa desenvolver também. Não há limite que eu não possa superar. E se você me encontrar por aí, ou por aqui dizendo coisas e mais coisas, duvide de mim também. Sou apenas mais uma na multidão que, enquanto caminha, vai deixando pra trás certezas, adereços, endereços…

Sou apenas mais alguém que.

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Bagunça organizada

Talvez algumas coisas não estejam em seus devidos lugares agora. Talvez eu já nem saiba se há realmente o devido lugar de cada coisa. Talvez os lugares que, antes eu julgava como certos, não fossem tão certos assim. Como se estes lugares certos fossem, na verdade, seus lugares errados, que permaneceram errados por usucapião.

E, agora sim, com tudo fora de ordem, é que eu posso dizer que essa bagunça me agrada. Me agrada como um quarto bagunçado que só eu sei onde encontrar cada uma das minhas coisas, como meu caderno de anotações em que só eu sei interpretar, com meus símbolos e abreviações. Me agrada como um quadro abstrato em que vejo arte, enquanto outros não enxergam nada mais do que algumas manchas coloridas sobre uma tela.

Pode ser que esteja tudo ao contrário, de ponta-cabeça, de pernas para o ar, uma grande zona. Pode ser ainda, que o mundo tenha saído do seu eixo. Não sei. Sei que fiquei zonza e tive dificuldades com os passos, mas houve o momento em que aprendi a me equilibrar e, mesmo que a Terra esteja fazendo seu movimento de rotação no sentido horário, já não posso sentir. Se está tudo errado, que permaneça errado, prefiro assim. A bagunça me cai bem, porque eu achei meu lado certo: o avesso de mim.

“Perder-se também é caminho.“
Clarice Lispector

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